A primavera chegará, mesmo que
ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para
recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da
mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam
a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos
devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e
arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no
espírito das flores.
Algum dia, talvez, nada mais vai
ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no
momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento
do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os
ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que,
outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta
primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão
beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores,
caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos:
lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai
tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos
das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores
agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um
instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura
semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da
vida — e efêmera.
(Cecília Meireles)
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